Peça de teatro "O menino Narigudo"
PEÇA DE TEATRO
O menino narigudo (ato único)
Autor: Walcir Carrasco
Personagens
CIRANO – menino simpático, mas franzino, de nariz grande
ROXANA – menina alegre, sensível
CRISTIANO – esportista, um pouco bruto e atrapalhado
MIRTES – Garota gordinha e simpática
GABI – faz o estilo garota moderna
MÃE DE CIRANO – mulher sensata, que gosta do filho
PAI DE ROXANA – um homem que aprecia a poesia, agradável
PIVETE – um garoto de ruas
GARÇOM – um garçom de lanchonete, sem fala
Cenários:
Quadra – cesta de basquete, banco largo
Biblioteca – duas mesas, dois bancos e uma estante com livros
Pátio da escola – dois bancos e uma lixeira
Casa de Roxana: cama (dois bancos compridos) desenhos de guarda roupas
Rua
CENA 1
(A peça começa com Cristiano treinando basquete na quadra de esportes do colégio. Entra Mirtes. Sem querer, Cristiano bate a bola em Mirtes que cai, derrubando a mochila)
MIRTES – Ai!
CRISTIANO – (ajuda-a a se levantar e pegar um livro grosso) Ooooooppppsss. Desculpa! (surpreso) Você anda lendo bastante, hein?
MIRTES – Ahn... não é livro de escola, não. É um livro de receitas, que minha mãe me deu. Minha tia disse que tem um bolo de castanhas que é o máximo.
CRISTIANO – (duvidando) Você é capaz de fazer um bolo de castanha? Você sozinha?
MIRTES – Claro!
CRISTIANO – Eu acho que deve sair uma sola de sapato.
MIRTES - (brava) Olha, Cristiano, se você é capaz de ser o melhor esportista da escola, eu posso muito bem fazer um bolo tão bom quanto o da confeitaria. Qualquer pessoa pode aprender o que quiser. Eu, se quisesse, era capaz de também jogar basquete e muito bem.
CRISTIANO – (rindo) Você?
MIRTES – Mas tem uma coisa que você nunca vai aprender, nunca
CRISTIANO – Está me chamando de trouxa?
MIRTES – Você nunca vai aprender a ser delicado. E só por isso, quando eu fizer o bolo, não vai ganhar nem um pedacinho! Até mais, seu .... troglodita!
MIRTES SAI, IRRITADA. CRISTIANO PENSATIVO. ENTRA CIRANO.
CIRANO – Oi, Cristiano. Sabia que ia encontrar você por aqui.
CRISTIANO – É... estou dando um duro pra ganhar o campeonato de skate. Escuta... a Mirtes saiu daqui agora e não sei se me xingou ou elogio. Mas acho que me xingou.
CIRANO – (curioso) Do que foi?
CRISTIANO – Foi de ... trogo ... (atrapalha-se) ih, esqueci o fim da palavra. É complicada!
CIRANO – Troglodita?
CRISTIANO – É isso aí.
CIRANO – Troglodita é o nome que se dá aos homens das cavernas. Quando alguém chama alguém de troglodita, quer dizer que é um bruto ... um mal educado.
CRISTIANO – Ah... Então ela me xingou! Qualquer hora dessas eu pego essa gordinha!
CIRANO – Deixa pra lá, Cristiano. Olha eu trouxe o livro que você me pediu emprestado.
CRISTIANO – (pegando o livro) Carlos Drumond de Andrade. Eu vou ter que ler tudo isso?
CIRANO – Obrigatório é só o poema que a professora mandou. Mas aproveita pra ler os outros. São bem legais.
CRISTIANO – (desprezando) Cirano! Acha que vou perder tempo lendo poesia¿ O campeonato de basquete é no mês que vem. Eu tenho que treinar pra burro.
CIRANO – Você não sabe o que está perdendo.
CRISTIANO – Você é que não sabe o que está perdendo. Só fica com a cabeça pensando em poesia, poesia, poesia, porque nunca teve namorada. Nunca ficou com nenhuma garota.
CIRANO – Ei ... péra aí. Uma vez eu fiquei sim. Com uma prima minha, num baile de carnaval. Eu e ela pulamos duas músicas seguidas.
CRISTIANO (rindo) – Aí seu nariz enganchou num rolo de serpentina. Já ouvi essa história! (amigável) por causa do nariz, está ficando muito tímido. Tem que arrumar uma garota!
CIRANO (romântico) É que eu nunca me apaixonei.
CRISTIANO – Precisa se apaixonar? A gente sai para bater um papo ... dar uns beijinhos.
CIRANO – Beijar, sem estar apaixonado?
CRISTIANO – Cirano, em que mundo você vive? Beijar, sim. Beijar.
CIRANO – (curioso) Cristiano, você já beijou muitas vezes?
CRISTIANO – (vaidoso) Nossa, nem fale. Muitas e muitas.
CIRANO – (surpreso) Mais de dez?
CRISTIANO – (mais vaidoso) Bem mais.
CIRANO – (mais surpreso) Mais de cem?
CRISTIANO – (gabando-se) Cem¿ cem não dá nem pro cheiro.
CIRANO – (muito espantado) Então umas duzentas. Duzentos beijos!
CRISTIANO – (aumentando ainda mais) Duzentos pra mim é pouco.
CIRANO (incrédulo) Vai me dizer que é mais de mil?
CRISTIANO – (exagerando) Mil beijos? Não é nada.
CIRANO – (ainda mais surpreso) Um milhão? Você deu um milhão de beijos?
CRISTIANO- (Exibindo-se) Olha, eu não gosto de me gabar. Mas pra mim... seu eu dei uns dois milhões e seiscentos mil beijos, foi pouco.
CIRANO – (cada vez mais espantado) Dois milhões e seiscentos mil beijos... Puxa! Escuta, onde você arrumou dois milhões e seiscentas mil garotas pra beijar?
CRISTIANO – (atrapalha-se com a mentira) Eu... eu... bem... acho que talvez tenha sido um pouco menos... e algumas eu beijei mais de uma vez.
CIRANO – sua boca não ficou com calo¿
CRISTIANO – Ihhhhh Cirano, você faz cada pergunta, se liga! Olha, você precisa convidar uma menina pra sair. Precisa ter prática.
CIRANO – mas eu não estou apaixonado por nenhuma.
CRISTIANO – Que importa... olha... lá vem a Gabi... convida a Gabi pra tomar um sorvete. Vai... vai logo de uma vez.
GABI ENTRA DE MOCHILA. CRISTIANO AFASTA-SE BATENDOI A BOLA.
CIRANO – (hesita) Gabi...
GABI – Oi.
CIRANO – (tímido) Eu... eu preciso falar com você.
GABI – Comigo?
CIRANO – É ... eu... eu quero te convidar pra tomar um sorvete comigo. Pronto, já disse.
GABI – (surpresa) Ahn?
CIRANO – É isso mesmo. Quero te convidar pra tomar um sorvete comigo.
GABI – Ah... Mas você paga o sorvete?
CIRANO – Claro que pago. Eu estou convidando.
GABI – Ah... bom. Porque tem gente que convida e depois na hora não põe a mão no bolso. O seu amigo Cristiano é assim. Um caloteiro.
CIRANO – (decidido) Eu já disse que pago o sorvete.
GABI – Eu vou se for um sundae, com calda de caramelo, masrhmellow!
CIRANO – (sem jeito) Puxa, Gabi... eu vou vicar de bolso vazio. Mas tá legal... pago o sundae!
GABI SORRI. OS DOIS ANDAM COMO SE ESTIVESSEM PASSEANDO. ENTRA UMA MESINHA, COM DUAS CADEIRAS. OS DOIS SENTAM-SE. ENTRA GARÇOM, QUE SERVE DOIS ENORMES SUNDAES. GABI BEM DENGOSA.
GABI – Nunca pensei que você fosse me convidar pra tomar sorvete. Sempre foi tão tímido!
CIRANO – Eu estava tomando coragem.
GABI – Sabe, eu adoro cantar. Conheço umas músicas lindas.
CIRANO – Canta uma pra mim.
GABI SORRI E COMEÇA A CANTAR UMA MÚSICA. CIRANO SORRI E CONTINUA. OS DOIS CANTAM JUNTOS. AO TERMINAR, ELA APLAUDE.
GABI – (encantada) Que lindo, Cirano, que lindo! Gosta de música¿
CIRANO – Já fiz uma porção de letras. Poesia também. Quer que eu faça uma pra você?
GABI – (gostando) Poesia? você, fazer uma poesia pra mim?
CIRANO – Pois eu faço agora mesmo. Quer ouvir¿ (toma fõlego) Gabi, Gabi.
GABI – Ah... continue!
CIRANO – Gabi, Gabi \ só penso em ti \ Nos teus olhos tão bonitos \ no teu jeito de sagui.
GABI – (furiosa) Sagui¿ Eu não tenho jeito de sagui coisa nenhuma!
CIRANO – (apaziguando) Não fica brava, Gabi. Eu só estava procurando uma rima.
GABI – Também vou fazer uma poesia. Ouça só! (recita) Cirano tem um nariz \ grande como uma mortadela.
CIRANO – (surpreso) cadê a rima?
GABI – (brava) E daí? Com rima ou sem rima, seu nariz continua grande! Imenso!
CIRANO – (furioso, estica o pescoço para a frente) não fala do meu nariz!
SEM QUERER CIRANO ENFIA O NARIZ NO SUNDAE DE GABI
GABI – tira o nariz do meu sorvete!
CIRANO – (puxando o nariz) Meu nariz tá congelando.
GABI – Agora ficou maior ainda! Parece uma banana Split!
GABI SAI CORRENDO. CIRANO CORRE ATRÁS. ENTRA MÚSICA.
A PRÓXIMA CENA É NA CASA DE CIRANO. SAI A MESINHA. ENTRA A MÃE COM UMA TIGELA. PARECE BATER UM BOLO. CIRANO ENTRA FURIOSO.
CIRANO – Mãe, eu quero fazer uma operação plástica. Hoje mesmo! Quero tirar metade desse nariz. Ou um pedaço maior ainda.
MÃE – Meu filho, você tem o nariz igual ao do seu avô. E ele tinha o maior orgulho do nariz.
CIRANO – O meu nariz parece um pimentão. Acha que vou ter orgulho?
MÃE – (compreensiva) Você tem que entender uma coisa, Cirano. A natureza cria suas próprias proporções. Você ainda está crescendo. Quando a gente começa a crescer, as vezes se sente feio, com o corpo esquisito. Hoje o nariz parece grande. Pode ser que, quando você estiver crescido, ele se torne charmoso. Como o do seu tio Alfredo, lembra¿ Ele era magricela, espinhento e narigudo. Hoje é modelo na Itália. Muitas meninas, quando chegam na sua idade, acham que os seios estão grandes demais. Também, querem fazer plástica.
CIRANO – E não fazem?
MÃE – É muito cedo para uma decisão como essa. Mais tarde, cada um fica com a proporção adequada. Muitas vezes, você vê uma estátua e diz – que narizinho mais perfeito!
CIRANO – É isso mesmo, eu queria ter um nariz que nem uma o de uma estátua.
MÃE – Mas as vezes o nariz não combina com o seu rosto, com o seu queixo. Fica parecendo um rabo de lagartixa plantado no meio da cara. É isso que você quer? um rabo de lagartixa?
CIRANO – Não! Não! Se um nariz deste tamanho já é ruim, já pensou um rabo de lagartixa?
OUVE-SE O TOQUE DO TELEFONE. MÃE PEGA O TELEFONE.
MÃE – Ah... sim... ele está sim... (dá o telefone ao filho) É pra você Cirano.
CIRANO – Alô... oi... Cristiano! Você está com uma voz esquisita. Não, foi tudo bem... até que eu disse que ela tinha jeito de sagui. Ah, Cristiano, sei lá por que eu disse... quis fazer uma rima, só isso. Ela ficou uma onça. O que? Febre? Puxa... você estava tão legal. Eu aviso lá na escola. Vê se aproveita e lê as poesias do livro do Drummond que eu emprestei. (desliga)
MÃE – (sorri) Pelo que ouvi, o Cristiano está gripado.
CIRANO – Está até com voz rouca!
MÃE – Sabe que eu não entendo sua amizade com o Cristiano¿ vocês são tão diferentes! Ele só pensa em basquete e futebol... Você não, só quer saber de livros!
CIRANO – (sorri) Sei lá, mãe. Ele é meu melhor amigo. E eu sei que sou o melhor amigo dele. Não é coisa que se explica! Amizade é amizade!
MÃE E FILHO SAEM. A CENA OCORRE NO PÁTIO DA ESCOLA. MIRTES E GABI CONVERSAM, FURIOSAS.
GABI – Ele me chamou de sagui. Você sabe o que é um sagui, Mirtes? Um sagui!
MIRTES – E o Cristiano? Duvidou que eu fosse capaz de fazer um bolo! Sabe o que mais, Gabi? Estou farta desses meninos. Farta. Somos muito adultas para eles.
GABI – É verdade. Eles ainda estão usando fraldas. E nós, batom!
ENTRA CIRANO
CIRANO – (sorri) Oi! Do que vocês estão falando?
GABI – (ainda irritada com ele) Quer parar de meter o nariz onde não é chamado?
CIRANO – Puxa, ainda está brava por causa da poesia, Gabi?
TOCA O SINAL
GABI – Já está na hora de entrar na aula.
MIRTES E GABI VIRAM-SE E SAEM
CIRANO – Nossa, quanta braveza!
NESSE INSTANTE, ENTRA ROXANA. AO VÊ-LA, CIRANO PÁRA, ENCANTADO.
ROXANA – Já deu o sinal de entrada¿ tenho que ir.
CIRANO – Espera, ainda tem um tempinho. (tímido) É que.,.. nunca vi você aqui antes.
ROXANA – Eu sou uma aluna nova. Estou começando meio atrasada... Mudei pra cidade faz uma semana. Meu nome é Roxana.
CIRANO – (estende a mão) E o meu Cirano.
ROXANA – (aperta a mão) Cirano? Como é o jeito certo de falar? Cirano ou Cirrano?
CIRANO – É um nome francês. Na França eles falam Cirrano, porque em francês, um erre sozinho vale por dois. Mas aqui ficou Cirano mesmo.
ROXANA – Você é francês?
CIRANO – Não, sou brasileiro. Meu avô era francês. Recebi o nome em homenagem ao personagem de uma peça, chamado Cirano de Bergerac. Já ouviu falar?
ROXANA – Eu ouvi falar do filme.
CIRANO – Conta a história de um escritor, poeta, espadachim e... muito narigudo.
ROXANA CAI NA GARGALHADA
CIRANO – (chateado) Por favor, não ria do meu nariz.
ROXANA – Desculpe. É que, de repente, você começa a falar dessa peça... e fala que é a história de um narigudo... que coincidência... o seu nariz não é o menor deste mundo.,
A SINETA TOCA NOVAMENTE
CIRANO – Agora a gente tem que se apressar.
ROXANA – Eu nem sei onde é minha sala de aula.
CIRANO – Vem que eu mostro!
OS DOIS ENTRAM, ANIMADOS.
A CENA SEGUINTE É NO QUARTO DE CRISTIANO. ELE ESTÁ DEITADO EM UMA CAMA. CIRANO SENTADO AO SEU LADO.
CIRANO – (entusiasmado) È a menina mais linda que eu já vi, Cristiano. Linda!
CRISTIANO – (espirra) Eu nunca vi você tão entusiasmado com menina nenhuma, Cirano.
CIRANO – (apaixonado) É porque ela é demais!
CRISTIANO – (interessado) Estou louco para conhecer essa gata! Como ela se chama¿
CIRANO – Ah... eu não quero dizer o nome dela, não. Senão você é capaz de ficar interessado também. (triste) Mas ela... ela nem me deu importância nenhuma.
CRISTIANO – (fraternal) Ô, Cirano, não fala assim. Você é um cara tão bacana.
CIRANO – (desanimado) Ela é tão bonita, e eu... olha só o meu nariz. É enorme! E também ... estou ficando espinhudo!
CRISTIANO – É... o seu rosto ultimamente parece uma plantação de cravo.
CIRANO – (emocionado) O pior é que eu olho para ela e começo a tremer. Meu coração dispara,. Meu rosto fica vermelho. As minhas orelhas ardem.
CRISTIANO – (brincalhão) Ficou gamadão, hem mano!
CIRANO – tenho medo que percebam lá na escola. Façam gozação. Tomara que você sare logo porque não tenho nem com quem conversar.
CRISTIANO – E eu? Se ficar de cama, vou me ferrar no campeonato. Droga de gripe.
CIRANO – Quer saber¿ Eu não vou ficar correndo atrás daquela menina, não. Vou tentar ficar longe dela. (com esperança) Quem sabe, essa tremedeira passa. Esse amor desaparece.
CRISTIANO – (surpreso) Mas, se você gosta dela, por que não vai à luta?
CIRANO – (triste) Quem vai amar um feioso como eu?
CRISTIANO SAI, CIRANO TAMBÉM. SAEM OS MÓVEIS DO QUARTO.
A CENA SEGUINTE É NA BIBLIOTECA. ENTRA UMA ESTANTE DE LIVROS.
CIRANO ENTRA COM UMA PILHA DE LIVROS. ROXANA TAMBÉM
CIRANO – (surpreso ao ver a garota) Ro... ro...ro... xana!
ROXANA - (alegre) Cirano! Oi! Você sumiu! Eu nunca mais vi você! Nunca pensei que ia te encontrar na biblioteca!
CIRANO – (gagueja) Eu... eu... eu... eu... eu... Passo muito tempo aqui. Gosto muito de ler, sabe?
ROXANA – (em voz baixa) Shhhhh... estamos na biblioteca. Não podemos falar alto!
CIRANO – (sem jeito) Ih... é verdade!
ROXANA - Vamos dar uma volta.
CIRANO – (surpreso) Uma volta? Eu e você?
ROXANA - Você não pode?
CIRANO – Puxa... eu... eu quero... eu quero sim
SAEM OS ELEMENTOS DO CENÁRIO DA BIBLIOTECA.
OS DOIS VÊM PRA FRENTE. ANDAM, COMO SE ESTIVESSEM EM UMA PRAÇA. ENTRA MÚSICA, PARA MARCAR A PASSAGEM DE TEMPO.
ROXANA – Gosto muito de poesia... Sabe, eu acho que a poesia fala de sentimentos que a gente não consegue falar normalmente. Às vezes leio uma poesia e fico tão emocionada que nem sei o que pensar.
CIRANO – (admirado) Você é diferente.,
ROXANA - (contente, sabe que é um elogio) Sou?
CIRANO – São poucas as garotas que gostam de poesia.
ROXANA - É que muita gente gosta de poesia sim... mas disfarçada em letra de música. O Chico Buarque, o Caetano... eles são poetas
CIRANO – É verdade.
CIRANO CANTA MUSICA DE CAETANO. ROXANA RI E CANTA UMA DE CHICO. OU DE OUTRO CANTOR DE QUE VOCÊS GOSTEM. AO FINAL OS DOIS RIEM.
ROXANA - Preciso voltar para casa.
CIRANO – (sem jeito) Sabe, Roxana, eu nunca conheci ninguém como você.
ROXANA - O ônibus já vem vindo!
ROXANA FAZ SINAL. CIRANO A OBSERVA, APAIXONADO.
ENTRA MÚSIUCA, PARA MARCAR A PASSAGEM DE TEMPO. CIRANO SENTA-SE, COMO SE ESTIVESSE NO PÁTIO DA ESCOLA. TENTA ESCREVER EM UM CADERNO.
CIRANO – Eu te amo mais do que uma macarronada! Não... é muito feio! Meu amor é tão grande quanto a lua. Mas daí, ela pergunta: Lua Minguante ou Lua Crescente¿ (suspira) Ah, como é difícil falar de amor! Ah, já sei! Meu amor me ilumina como o sol! Melhor ainda – meu amor é como o sol... Porque os dois dão tersol! Ih... essa foi pior ainda... já sei... eu só quero dizer... Roxana, eu gosto de você!
CIRANO DESISTE. SAI. ENTRAM ROXANA, GABI E MIRTES, DE MOCHILA.
MIRTES – Paixão, menina! Ih... você está tirando pedaços daquele coraçãozinho.
ROXANA – (sorri) Bobagem Mirtes. O Cirano é só amigo.
GABI – Será que o coração dele é narigudo também?
MIRTES – (sorri) Ih... lá vem ele. Vai, Roxana! Depois vem contar o que ele disse.
MIRTES EMPURRA ROXANA, QUE FICA DE FRENTE PARA CIRANO.
CIRANO – Olha... eu... eu trouxe este livro pra você. Gostei muito.
ROXANA, ENCANTADA, PEGA O LIVRO COM CARINHO.
ROXANA – Eu também... eu também tenho um livro pra você. Olha aqui.
ROXANA OFERECE UM LIVRO. CIRANO PEGA
CIRANO – Pois é... quem sabe... qualquer dias desses a gente podia sair pra dançar!
ROXANA – Eu não sou de dançar, não. Prefiro cinema. (hesita) Eu... eu vou indo.
ROXANA VAI AO ENCONTRO DAS AMIGAS. CIRANO PENSATIVO.
CIRANO - Será que eu devia ter convidado para ir pro cinema?
CIRANO SAI
MIRTES – Conta o que ele disse?
ROXANA – Nada.
GABI – Não convidou nem pra tomar um sorvete?
ROXANA – Ih... eu já disse que ele é só meu amigo.
MUSICA PARA MARCAR PASSAGEM DE TEMPO. A PÓRXIMA CENA É COMO SE FOSSE NA RUA. ROXANA CAMINHA. UM PIVETE APROXIMA-SE
PIVETE – (ameaçador) Vai logo tirando o tênis. Dá a mochila.
ROXANA – (assustada) A mochila não. Todos os meus cadernos...
O PIVETE DERRUBA ROXANA. COMEÇA A ARRANCAR O TÊNIS DELA. ELA GRITA. CRISTIANO SURGE, CORRENDO. ATIRA A MOCHILA NO CHÃO, QUE SE ABRE TODA. CAI O LIVRO DE DRUMMOND QUE CIRANO EMPRESTOU.
CRISTIANO – Pára aí! Pára!
PIVETE – Sujou!
O PIVETE SAI CORRENDO. ROXANA FICA COM UM TÊNIS SÓ. CHORA.
CRISTIANO – Hei... fica calma. O pior já passou. Vem cá... eu acho que tenho um lenço.
CRISTIANO PEGA UM LENÇO IMUNDO. VAI OFERECER, ELA NEM PEGA.
CRISTIANO – (sem jeito) Desculpa... acho que tá sujo de ranho. Eu estava gripado.
ROXANA – (acalmando-se) Que é isso! Você me salvou! Mas agora fiquei com um tênis só.
CRISTIANO – (arrumando a mochila da garota) Pelo menos salvou a mochila.
ROXANA – Fiquei gelada de medo de perder os cadernos. A sua mochila também caiu.
ELA VAI AJUDAR E VÊ O LIVRO DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.
ROXANA – Carlos Drummond de Andrade. (surpresa) Você gosta dele?
CRISTIANO – (disfarçando) É ... gosto!
ROXANA – É um dos meus preferidos. Ele fala cada coisa tão bonita. Diz, conta pra mim! Qual poesia dele você gosta mais?
CRISTIANO – (disfarçando ainda mais) É que... todas. Gosto de todas as poesias dele.
ROXANA – Ah, eu sei. É tão difícil escolher, são todas tão bonitas. Eu... eu acho que tenho que ir pra casa, botar outro tênis.
CRISTIANO – Eu vou junto com você!
ROXANA SORRI. ELE PÕE A MÃO SOBRE OS OMBROS DELA. SAEM.
A PRÓXIMA CENA É NOVAMENTE NA BIBLIOTECA. ENTRAM ELEMENTOS DE CENÁRIO. CIRANO LÊ. ROXANA APROXIMA-SE.
ROXANA – Eu sabia que você estava aqui.
CIRANO – (alegre) Roxana
ROXANA – Eu tenho uma coisa muito importante pra te contar
CIRANO – (preocupado) Aconteceu alguma coisa?
ROXANA – Olha, é uma coisa tão importante que eu falar aqui mesmo. a biblioteca está tão vazia! Não quero contar a nenhuma daquelas fofoqueiras. Só pra você.
CIRANO – Diga, Roxana, o que é?
ROXANA – Se eu disser, não vai dar risada?
CIRANO – (achando que ela vai se declarar para ele) Claro que não! Diga, puxa, diga!
ROXANA – (toma coragem) Eu não paro de pensar numa pessoa. Estou me sentindo que nem nos livros.
CIRANO – (encantado) Eu sei como é. Puxa, eu sei como é!
ROXANA – (feliz) Você sabe! Ah, então você vai me entender!
CIRANO – Claro que eu sei. A gente sente o coração bater depressa, não sente? Sente o fôlego faltar. Sente um carinho tão grande! A gente olha o céu, e parece mais bonito. Olha a rua, e tem vontade de rir, de falar e de chorar, tudo ao mesmo tempo!
ROXANA – Você sabe! É assim que eu me sinto! E além disso... ele é tão bonito!
CIRANO – (maravilhado) Bonito!
ROXANA – Gentil, delicado! Carinhoso!
CIRANO OLHA PRA CIMA, CERTO DE QUE É COM ELE. SUSPIRA
ROXANA – Se não fosse ele, os ladrões teriam levado meu tênis e minha mochila.
CIRANO – (surpreso) Tênis? Ladrões?
ROXANA – Cirano, você não está prestando atenção no que eu digo. Pois eu estava contando que... justamente quando os ladrões iam levar meu tênis , ele apareceu. Conseguiram levar um pé do tênis. Mas salvei a mochila. (estala os dedos) Cirano acorda.
CIRANO – (desapontado) Ah... é que eu... eu pensei...
ROXANA – Ele estuda aqui no colégio! Nunca tínhamos nos encontrado porque ele estava gripado, e faltou às aulas, justamente quando cheguei! O mais legal é que ele gosta de poesia, como eu e você. Ele estava com um livro de Carlos Drummond de Andrade!
CIRANO – (percebe de quem se trata) Alto... musculoso... atlético... e com um livro do Carlos Drummond? Só pode ser o... hummm... qual o nome dele?
ROXANA – (feliz) Cristiano!
CIRANO – (triste) Cristiano... eu sabia!
ROXANA – (surpresa) Sabia como?
CIRANO – Ele é meu amigo. Ele é meu melhor amigo!
ROXANA – Eu devia ter imaginado. Só podia ser seu amigo! Vocês dois gostam de poesia?
CIRANO – (admirado) O Cristiano... gostar de poesia?
ROXANA – Como assim? (desconfiada) ele não gosta?
CIRANO – Eu... eu... eu... não, Roxana, ele não gosta de poesia. (percebe que vai dedar o amigo, e volta atrás) Ele adora. É isso, ele adora poesia.
ROXANA – Ah! Então... aposto que você está contente... por mim e por ele!
CIRANO – Estou... estou contentíssimo. Agora eu preciso ir. Até depois, Roxana!
CIRANO SAI APRESSADO
ROXANA – Que pressa! (romântica) Cristiano! Cristiano!
ROXANA SAI. ENTRA MÚSICA PARA MARCAR A PASSAGEM DE TEMPO.
A CENA AGORA É NA QUADRA DE GINÁSTICA.
CRISTIANO TREINA BASQUETE, BATENO A BOLA. CIRANO ENTRA
CIRANO – Bonito, hem! Eu certo que continuava gripado e você faltando às aulas para treinar.
CRISTIANO – Só quis recuperar o tempo perdido.
CIRANO – Quando é que você vai recuperar as aulas que perdeu?
CRISTIANO – Deixa de ser chato, Cirano1 eu tenho uma coisa incrível para contar. (alegre) Conheci a garota mais sensacional do mundo.
CIRANO – Eu sei.
CRISTIANO – Não, não sabe. (curioso) Como é que você podia saber?
CIRANO – Tem razão. Como é que eu podia saber?
CRISTIANO – Eu estava saindo do treino quando um trombadinha tentava levar o tênis e a mochila de uma garota. Corri e gritei. Ele fugiu. Mas levou um pé de tênis.
CIRANO – (desanimado) Mas você salvou a mochila dela.
CRISTIANO – Claro! A minha mochila caiu no chão. Sabe aquele livro de poesia que você tinha me emprestado?
CIRANO – Ela pegou e viu.
CRISTIANO – Ficou superentusiasmada porque pensou que eu gostava de poesia. Sabe o que é, Cirano, ela não é uma garota como outra qualquer. Ela tem cabeça!
CIRANO – Continua, Cristiano!
CRISTIANO – Ela pensa que eu gosto de poesia. Acha que eu conheço os poetas!
CIRANO – Por que você não disse a verdade?
CRISTIANO – Porque eu fiquei sem jeito. Vi que ela deu muita importância pro livro e... a verdade, Cirano, é que eu estava doido pra encontrar você. Eu preciso da sua ajuda.
CIRANO – (surpreso) Minha ajuda?
CRISTIANO – Você precisa me ensinar a falar de poesia. A garota faz o tipo romântico. Você me ensina umas poesias bem bonitas pra dizer.
CIRANO – Cristiano, poesia não se aprende assim de repente... a gente precisa de tempo para pensar... meditar sobre a poesia. A gente aprende a gostar. É como quando a gente aprende a ler. Lembra, quando você aprendeu a ler?
CRISTIANO – Sei lá... faz tanto tempo.
CIRANO – No início, as letras parecem separadas, sem sentido. A gente junta e forma palavras. Com poesia é a mesma coisa. A gente vai lendo. (encantado) De repente, começa a apreciar os versos. A mensagem de cada poeta. A gente descobre o sabor da poesia.
CRISTIANO – Ih, você já começou a falar difícil. Cirano, vamos aos fatos. Eu quero que você me ensine umas poesias. Aí eu convido a garota pra ir na lanchonete, recito, e ela vai ficar apaixonada. Aí eu me declaro e pimba! Dou um beijo.
CIRANO – (horrorizado) um beijo?
CRISTIANO – (apaixonado) Um beijão!
CIRANO – Mas depois ela vai continuar encontrando com você. O que você vai fazer?
CRISTIANO – Você me ensina novas poesias. Eu decoro. Cirano, você não entende. Eu estou apaixonado. Meu coração pula, bate depressa! Cirano, me ajuda. Você é meu melhor amigo.
CIRANO – (preocupado) Cristiano, não vai dar certo!
CRISTIANO – (chateado) Você é capaz de me abandonar, Cirano? De me deixar na mão?
CIRANO SUSPIRA. ABRE A MOCHILA, PEGA UM LIVRO.
CIRANO – Vamos começar por uma poesia de Vinícius de Moraes. Chama-se “Samba em prelúdio”
CRISTIANO – Mas é samba ou é poesia
CIRANO – É uma música dele, mas que também é poesia.
CRISTIANO – Não entendi!
CIRANO – Cristiano, toda a música também é poesia. Principalmente às do Vinícius, que era um grande poeta e compositor.
CRISTIANO – Tá bem. E o que é pretúdio?
CIRANO – Não é pretúdio, é prelúdio, um,a introdução musical, uma iniciação antes de uma música.
CRISTIANO – Tá bom, manda lá.
CIRANO – Eu sem você não tenho porque / porque sem você não sei nem chorar / Sou chama sem luz / jardim sem luar / luar sem amor / amor sem se dar / E eu sem você / sou só desamor / um barco sem mar / um campo sem flor / Tristeza que vai / tristeza que vem / Sem você meu amor eu não sou / ninguém.
CRISTIANO – Bonito, mas não parece um samba.
CIRANO – Mas ela cantada, é um samba canção.
CRISTIANO – Samba canção? Aquelas cuecas grandonas?
CIRANO – Não, sua anta. Um sambinha, mas calminho, mais cadenciado. Não esqueça que você precisa colocar sentimentos nas palavras, recitá-las com carinho.
CRISTIANO – (desconfiado) Sei não! Acho que não vou conseguir decorar tudo isso. E tem mais, acho que vou me confundir. Sem isso, sem aquilo, um barco sem flor, um jardim sem mar, sei lá. Pra que essas coisas todas?
CIRANO – Por que você precisa de tanta explicação para gostar de poesia? O basquete, o futebol tem explicação, por acaso?
CRISTIANO – Ué, a gente rala pra fazer uma cesta, um gol!
CIRANO – Ninguém pergunta por que um bando de marmanjos fica correndo atrás de uma bola. No entanto, todo mundo gosta. Com poesia, é a mesma coisa. É um outro tipo de exercício. Um esporte com a imaginação.
CRISTIANO – (pensativo) Até que você pode estar certo. Mas sabe... eu não tenho prática.
CIRANO – (decidido) Prometo ajudar, Cristiano. Não marca o encontro na lanchonete.
CRISTIANO – Não?
CIRANO – Diga que vai fazer uma surpresa de noite.
CRISTIANO – Surpresa?
CIRANO – De noite, você vai pra debaixo da janela do quarto dela.
CRISTIANO – (feliz) entendi. Gênio, Cirano, você é um gênio. Eu posso cantar uma música bem legal!
CRISTIANO COMEÇA CANTAR UMA MÚSICA TOSCA (AH SE EU TE PEGO, DELÍCIA, DELÍCIA)
CIRANO – Não! Assim você vai estragar tudo. Se voc~e quer mostrar que gosta de poesia, deve recitar poesias! Nós vamos fazer assim... preste bem atenção. Você fica embaixo da janela e eu me escondo na moita. Eu vou soprando as poesias pra voc~e recitar.
CRISTIANO – (sorri) Ela vai adorar.
CIRANO – Pode ter certeza que sim.
CRISTIANO – Será que ela me beija? Ah, aposto que ela me beija!
OS DOIS SAEM. CIRANO TRISTE. CRISTIANO ENTUSIASMADO.
AGORA TEMOS UMA CEDNA EM FRENTE À CASA DE ROXANA. VALE A IMAGINAÇÃO, PARA SIMULAR O CENÁRIO. CHEGAM CRISTIANO E CIRANO.
CIRANO – Eu me escondo aqui. (vai para um canto)
CRISTIANO – E eu fico aqui. Tudo bem? Você consegue enxergar o livro?
CIRANO – Esquece que sei muitas poesias de cor? Fica tranqüilo.
CRISTIANO – Legal. Você é um amigão.
CRISTIANO ESTUFA O PEITO. CIRANO DÁ UMA ROSA VERMELHA PRA ELE.
CIRANO – Não esquece da flor.
CRISTIANO – (grita, aproximando-se da casa) Roxana! Roxana!
ROXANA APARECE, COMO SE ESTIVESSE NA JANELA.
ROXANA – (surpresa) Cristiano?
CIRANO – (baixinho) Mundo mundo vasto mundo.
CRISTIANO – (em voz alta recita) Mundo mundo vasto mundo.
CIRANO – (baixinho) Se eu me chamasse Raimundo / Seria uma rima, não uma solução.
CRISTIANO – (confundindo-se) Se ele se chamasse Raimundo....
CIRANO – (baixinho) Ele não, eu.
CRISTIANO – Se o Cirano se chamasse Raimundo.
ROXANA – Quem?
CIRANO – (baixinho e irritado) não, não você, você.
CRISTIANO – (apontando para Roxana e bastante confuso) Se você se chamasse Raimundo...
CIRANO – (baixinho e apavorado) Tudo errado. Diga que você vai começar denovo.
CRISTIANO – Me deu um branco só uns instante (abaixa a cabeça, tentando prestar atenção em Cirano)
CIRANO – (baixinho) Mundo mundo vasto mundo
CRISTIANO – (depressa) Mundo mundo vasto mundo
CIRANO – (baixinho) Se eu me chamasse Raimundo / Seria uma rima, não uma solução.
CRISTIANO (fala depressa) Hummm... Se ... eu me chamasse Raimundo ... / Seria uma rima, não uma solução.
CIRANO – (baixinho) Mundo mundo vasto mundo / mais vasto é o meu coração.
CRISTIANO – (rápido) Mundo mundo vasto mundo / mais vasto é o meu coração.
ROXANA (satisfeita) Carlos Drummond de Andrade!
CRISTIANO (orgulhoso) Eu disse que gostava das poesias dele! (exibido) Sei todas!
ROXANA (contente) Recite mais uma!
CRISTIANO (atrapalhado) Deixa eu pensar.
CIRANO (bem depressa) Diga que vai recitar “ No meio do caminho”.
CRISTIANO – (surpreso) Mas eu já estou no meio do caminho.
CIRANO – (no meio do caminho é o nome da poesia)
ROXANA – (curiosa) Que foi?
CRISTIANO – (atrapalhado) Vou recitar Caminho do meio.
ROXANA – Ahn?
CIRANO – (baixinho) “No meio do caminho.”
ROXANA – (desconfiada) Com quem você está falando?
CIRANO – (baixinho) Diga que está lembrando a poesia, baixinho.
CRISTIANO – (grita) Estou lembrando a poesia baixinho.
ROXANA – (contente) Ah! Então recite!
CIRANO – (baixinho) No meio do caminho tinha uma pedra
CRISTIANO – (hesitante) No meio do caminho tinha... tinha uma pedra
CIRANO – (firme) Tinha uma pedra no meio do caminho
CRISTIANO – (atrapalhado) tinha uma pedra no meio do caminho
CIRANO – (assoprando baixinho) Tinha uma pedra
CRISTIANO – (confuso) Tinha mais uma pedra
CIRANO – (bravo) Tinha uma pedra... repita como estou dizendo.
CRISTIANO – (em voz alta) Tinha uma pedra
CIRANO – (baixinho) No meio do caminho tinha uma pedra
CRISTIANO – (suspira) No meio do caminho tinha.... tinha... o pai dela!
CIRANO – (confuso) Que?
SURGE O PAI DE ROXANA SAINDO DE DENTRO DA CASA
PAI – Que negócio é esse de pedra no meu jardim? E qual é o tamanho da pedra?
ROXANA – É o Cristiano, pai. Ele estava recitando aquela poesia tão bonita. (recita) No meio do caminho tinha uma pedra / Tinha uma pedra no meio do caminho.
PAI – Temos aqui um intelectual. Parabéns, meu rapaz, parabéns! Hoje em dia, é tão raro ver um rapaz sensível! Entre, venha comer um pedaço de bolo”
CRISTIANO OLHA EM TORNO. CIRANO FAZ SINAL PARA QUE ENTRE.
É COMO SE ENTRASSE NA CASA DE ROXANA. PODEM SER COLOCADAS ALGUMAS CADEIRAS EM CENA. SENTAM-SE.
ROXANA TRAZ UMA BANDEJA COM UM ENORME BOLO. SERVE O BOLO. CRISTIANO FICA SEM SABER O QUE FAZER, DIANTE DO ENTUSIASMO DO PAI.
PAI – Coma, coma o bolo ... agora conte! Como você tomou gosto pela poesia, rapaz?
CRISTIANO – (atrapalhado) Eu... eu sempre gostei de poesia.
PAI – Qual o seu poeta predileto?
CIRANO – (sem saber o que dizer) Eu... eu acho que...
ROXANA – (alegre) Ele gosta muito de Carlos Drummond de Andrade.
CRISTIANO – É ... dele que eu gosto! (mais seguro, fala de um jeito meio grosso) Mas também curto descolar uma tela.
PAI – (espantado) Descolar uma tela?
CRISTIANO – Gosto de filme de aventura. Desses com muita porrada, sangue escorrendo.
PAI – (espantado) Curioso! Você tem gostos diversificados! E agora, o que você está lendo?
CRISTIANO – (enche a boca com bolo) Eu? Eu li o regulamento do campeonato de basquete. Se o juiz me tentar passar pra traz, eu boto o dedo na cara dele.
PAI – (estranha) Romance, você não está lendo nenhum?
CRISTIANO – Eu não. Quer dizer, não tenho tido tempo de ler por causa dos treinos, mas a minha mãe está lendo um romance muito bom.
PAI – Qual é o nome?
CRISTIANO – O nome eu não lembro, não. Mas é sobre um tarado, assassino, que mata um monte de gente, muita sacanagem, violência, e.....
O PAI E ROXANA SE OLHAM CHOCADOS. CRISTIANO SEM JEITO.
ENTRA MÚSICA. TODOS SAEM. SAEM OS ELEMENTOS DA CASA DE ROXANA.
A CENA SEGUINTE É NA QUADRA. ENTRAM CRISTIANO E CIRANO.
CRISTIANO – Vexame total, Cirano. O pai dizia uma coisa, eu respondia outra. Ficavam falando de livros, de coisas que eu nem conhecia.
CIRANO – (sério) Eu disse que não ia dar certo.
CRISTIANO – Eu devia ter ficado lá fora, na minha. Droga!
ENTRA MIRTES COM UM PAPELZINHO NA MÃO.
MIRTES – Oi.
CRISTIANO – Oi. O que é que você quer? Eu e o Cirano estamos levando um papo.
MIRTES – (brava) Nossa, quanta grosseria! Eu devia ir embora! Mas, enfim, é um favor que eu faço para uma amiga. Alguém mandou este bilhete pra voc~e!
CRISTIANO – Alguém? Quem?
CRISTIANO TENTA PEGAR O BILHETE, MIRTES FAZ CHARME, RODEIA. LUTAM DE BRINCADEIRA. FICAM FACE A FACE. MIRTES SE DESVENCILHA E ENTREGA O BILHETE.
MIRTES – Bom proveito! Ah, mas essa minha amiga tem um mau gosto!
MIRTES SAI. CRISTIANO RODA O BILHETE NA MÃO.
CRISTIANO – (curioso) Será que é dela?
CIRANO – Abra logo de uma vez, Cristiano!
CRISTIANO – (abre, lê e sorri) É dela! É dela! Veja o que diz.
“Cristiano. Nunca pensei que ia merecer uma homenagem tão bonita como a de ontem. Quero ouvir você recitar mais poesias, muitas poesias!mande um recado dizendo onde e quando a gente pode se encontrar. Roxana.”
CIRANO TRISTE. CRISTIANO BEIJA O BILHETE.
CRISTIANO – Ela quer se encontrar comigo. Mas é hoje que eu beijo! É hoje que eu beijo! (para e pensa) Mas como? Ela vai querer que eu recite outras poesias!
CIRANO – (sofre, mas ajuda o amigo) Cristiano, pega papel e lápis.
CRISTIANO – Pra quê?
CIRANO – Eu já sei o que você deve fazer. Vai marcar o encontro com um bilhete irresistível!
OS DOIS SAEM .
A PRÓXIMA CENA É NO PÁTIO DA ESCOLA . ENTRAM MIRTES, GABI E ROXANA.
ROXANA – (lê um bilhete) Que lindo! Como ele é romântico!
MIRTES – O Cristiano romântico?
GABI – Leia o que diz!
ROXANA – Tenho um relógio parado / por onde sempre me guio / pelo nosso encontro espero / se preciso, horas a fio / E não me digas não / Porque já saber que estás / Bem perto do meu coração!
MIRTES – (muito surpresa) O Cristiano escreveu isso?
ROXANA – (alegre) Claro! Ele adora poesia.
GABI – (sem acreditar) O Cristiano? Você deve estar doida.
ROXANA – Pois ontem ele recitou pra mim. (apaixonada) Vocês não conhecem o verdadeiro Cristiano. Ele é romântico, sensível.
MIRTES – Eu nunca imaginei (brava) Pra mim, não passa de um bruto!
ROXANA – ele quer me encontrar hoje à noite na quadra da escola!
MIRTES – Na quadra da escola? Lugar mais esquisito!
AS TRÊS SAEM. A LUZ MUDA, INICIANDO O ANOITECER.
A CENA AGORA É NA QUADRA DA ESCOLA. ENTRAM CRISTIANO E CIRANO.
CRISTIANO – Ela vai acabar vendo você1
CIRANO – Não, já está escuro. Eu falo bem baixinho. Mas você tem que prestar atenção.
CRISTIANO – (bravo) Até lavei os ouvidos antes de vir pra cá (preocupado) Escuta, e se der um daqueles brancos, o que eu digo?
CIRANO – (pensa e responde) Diga que ela parece uma flor
CRISTIANO – (feliz) Legal. Se eu não souber o que dizer, digo que ela parece uma flor.
CIRANO – (olha para a direita) Ela vem vindo!
ROXANA ENTRA PELA DIREITA. CIRANO SE ESCONDE. CRISTIANO FAZ SINAL.
ROXANA – (feliz) Cristiano!
CRISTIANO – (apaixonado) Roxana!
CIRANO – (baixinho) Diga para ela não chegar muito perto.
CRISTIANO – (rápido) Fique aí onde está.
ROXANA – (surpresa) Por que?
CRISTIANO – Vou recitar, como você pediu!
ROXANA – (encantada) Verdade?
CIRANO – (baixinho) Diga que vai recitar uma poesia da Cecília Meireles. Sonhos de Menina.
CRISTIANO – Vou recitar uma poesia da Cecília Menina. Sonho das mulheres.
ROXANA – (confusa) Quê?
CIRANO – (irritado) Cecília Meireles! Sonhos de Menina!
CRISTIANO – (rápido) Quis dizer Cecília Meireles. Sonhos de Menina.
ROXANA – (alegre) Comece!
CIRANO – (baixinho) A flor que a menina sonha / Está no sonho /Ou na fronha?
CRISTIANO – (alto) A flor que a menina sonha / Está no sonho /Ou na fronha?
CIRANO – (baixinho) Sonho / Risonho / O vento sozinho / No seu carrinho.
CRISTIANO – (atrapalhado, perde a divisão dos versos) Sonho / O vento Risonho / No seu carrinho sozinho.
CIRANO – (baixinho) De que tamanho seria o rebanho?
CRISTIANO – (sem expressão) De que tamanho seria o rebanho.
CIRANO – (baixinho) A vizinha / apanha / a sombrinha de teia de aranha / de teia de aranha / na lua há um ninho de passarinho.
CRISTIANO – (rápido, sem entender o que diz) A vizinha / apanha / a sombrinha de teia de aranha / de teia de aranha / na lua há um ninho de passarinho.
CIRANO – (baixinho) A lua com que a menina sonha / é o linho do sonho / ou a lua da fronha?
CRISTIANO – (bem depressa, querendo se livrar) A lua com que a menina sonha é o linho do sonho ou a lua da fronha? (dá uma pausa, exausto) Ufa! Essa foi comprida.
ROXANA – (contente) Mas foi linda, linda! Recite outra da Cecília Meireles.
CRISTIANO – (atrapalhado) Eu... eu...
CIRANO – (atrapalhado também) ih... preciso procurar no livro.
CIRANO COMEÇA A VIRAR O LIVRO QUE TEM NAS MÃOS, PROCURANDO. CRISTIANO MEXE O PÉ, INQUIETO.
ROXANA – (desconfiada) Você não sabe?
CRISTIANO – (hesita) É que...
CIRANO – (baixinho0 Diga que está se lembrando.
CRISTIANO – (repete sem perceber) Diga que está se lembrando.
ROXANA – (espantada) Digo o quê?
CIRANO – (sério) Idiota. Preste atenção.
CRISTIANO – (rápido) Idiota, preste atenção!
ROXANA – (irritada) Quem é idiota?
CIRANO – (espantado) Não. Diga que é você
CRISTIANO – (totalmente enrolado e sem noção) É você.
CIRANO – (apavorado) Não! Fala Eu! Eu!
CRISTIANO – (confuso) O Cirano.
ROXANA – (espantada) O que Cirano tem a ver com isso?
CRISTIANO – (voltando a raciocinar) Nada. Desculpe. Eu... eu que sou um idiota. Tava falando comigo mesmo.
CIRANO – (feliz) achei!
CRISTIANO (repete) Achei!
ROXANA – (mais admirada) Achou o que?
CIRANO (baixinho) Depressa senão ela vai fazer muitas perguntas. Vou começar! Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles.
CRISTIANO – (nervoso) Ou aquilo ou isto, de Cecília Meireles.
CIRANO – Você errou... ah, deixa pra lá. (recita) Ou se tem chuva e não tem sol / Ou se tem sol e não se tem chuva!
CRISTIANO – (fala ao mesmo tempo, sem dividir os versos) Ou se tem chuva e não tem sol ou se tem sol e não se tem chuva.
CIRANO – (baixinho) Ou se calça a luva e não se põe o anel / Ou se põe o anel e não se calça a luva.
CRISTIANO – (mais atrapalhado) Ou se calça a luva e não se põe o anel ou se põe o anel e não se calça a luva.
CIRANO – (baixinho) Quem sobe nos ares não fica no chão / quem fica no chão não sobe nos ares!
CRISTIANO – Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares!
CIRANO – (baixinho) É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares!
CRISTIANO – É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares!
CIRANO – (baixinho) Não sei se brinco, não sei se estudo / se saio correndo ou fico tranqüilo.
CRISTIANO – (sempre rápido, sem entender o que diz) Não sei se brinco, não sei se estudo / se saio correndo ou fico sem quilo.
CIRANO – (baixinho e irritado) Tranqüilo, tranqüilo.
CRISTIANO – (confuso) Eu to tranqüilo.
CIRANO – (baixinho) Mas não consegui entender ainda / qual é melhor: se é isto ou aquilo.
CRISTIANO – (rápido) Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo.
CIRANO – Acabou.
CRISTIANO – Uau!
ROXANA – (emocionada) Você recitou um pouco depressa, mas... fiquei emocionada. Não sei o que falo, mas sei o que digo. Se saio correndo, se fico tranqüila. Não sei o que é melhor. Se isto ou aquilo!
CRISTIANO – Legal gata! Curtiu a parada? Que tal a gente sair agora e traçar um hot dog?
CIRANO – (bravo) Cristiano! Não fale assim... seja romântico!
ROXANA – (admirada) Eu não entendo... é que... às vezes você fala de um jeito tão bonito que mexe com meu coração. Mas... nunca ninguém me disse palavras tão bonitas.
ROXANA APROXIMA-SE DE CRISTIANO. VÃO SE BEIJAR. CIRANO TENTA ENXERGAR O QUE ACONTECE. CIRANO CAI. ROXANA PULA PRA TRÁS.
ROXANA – Quem está aí? (vê Cirano, surpresa) Cirano! Você devia ter vergonha, Cirano.
CIRANO – Eu... o que?
ROXANA – Espionando meu encontro com o Cristiano. Que coisa mais feia!
CIRANO – Roxana, eu... desculpe!
CIRANO PEGA O LIVRO E VAI EMBORA, TRISTE.
ROXANA – Nunca pensei que ele pudesse fazer uma coisa dessas.
CRISTIANO – (quer explicar e ser leal ao amigo) Roxana, tudo isso é uma grande confusão.
ROXANA – Você foi muito legal, Cristiano. Mas o Cirano estragou tudo. Vou embora!
CRISTIANO – Eu vou com você até sua casa.
ROXANA – Não, não precisa. Eu quero pensar nas palavras bonitas que você me disse. Sabe, quando eu te conheci, fiquei impressionada. Você me defendeu dos assaltantes. Você é tão forte. Mas, sabe, só isso não basta. O que vale é o que você tem dentro da cabeça.
CRISTIANO – Só.
ROXANA – (surpresa) Que foi? De repente, parece que você não sabe o que dizer.
CRISTIANO – (atrapalhado) Ih... deu branco. Mas... ah, eu sei sim. Sei o que dizer.
ROXANA – Como assim? O que você quer dizer?
CRISTIANO – (lembra-se do conselho do Cirano) Você parece uma flor.
ROXANA – (sorri) Uma flor? Que flor?
CRISTIANO – Que flor!? (olha em torno, aponta) Aquela lá. Maria-sem-vergonha!
ROXANA – (recua, ofendida) Bruto, grosseiro!
CRISTIANO – Roxana, eu falei sem pensar. É que eu acho a flor tão bonitinha!
ROXANA – Bruto, bruto!
ROXANA CORRE. CRISTIANO FICA SOZINHO
CRISTIANO – Estraguei tudo.
CIRANO VOLTA
CRISTIANO – Você aqui?
CIRANO – Eu fiquei por perto. Vi que ela saiu corrndo.
CRISTIANO – Eu sou um burraldo, Cirano. Um asno! Eu fiz o que você disse. Falei que ela parecia uma flor. Mas aí ela perguntou que flor. Olhei... e tinha um canteiro de maria-sem-vergonha na minha frente.
CIRANO – Você disse que ela parecia uma maria-sem-vergonha?
CRISTIANO – Disse. Eu sempre falo a primeira coisa que vem na cabeça.!
CIRANO – Você é um bruto mesmo.
CRISTIANO – Chega! Já fiz a burrada. Já sei o que fiz.
CIRANO – Podemos resolver tudo, Cristiano1
CRISTIANO – Resolver?
CIRANO – Você vai escrever um bilhete para ela, pedindo desculpas.
CRISTIANO – Ah, Cirano, eu não sei. Você já viu que não dá certo.
CIRANO – Dessa vez vai dar. A culpa é minha, por ter caído em frente de vocês.
CRISTIANO – A culpa é minha por ser burro.
CIRANO – Mas você não é burro. Se você fosse burro, não conseguia jogar tão bem! Já eu, me dou mal no esporte e bem com as palavra. Cada um de nós é diferente. Só isso!
CRISTIANO – É ... cada um sabe o que sabe.
CIRANO – Mas é isso que está errado, Cristiano! Pó que um poeta não pode jogar bola? Por que um esportista não pode gostar de poesia?
CRISTIANO – É ... o que você está dizendo é bem legal.
CIRANO – Cristiano, vamos escrever um bilhete para a Roxana! Você vai ser perdoado!
CRISTIANO – E se eu disser outra besteira?
CIRANO – Eu faço você decorar tudo. Até o que vai dizer para ela!
OS DOIS SAEM. A LUZ AUMENTA, INDICANDO DIA. A PROXIMA CENA É NO MESMO LUGAR. A MÚSICA ENTRA, PATA INDICAR A PASSAGEM DE TEMPO.
OS DOIS VOLTAM. CRISTIANO TEM UM PAPEL NA MÃO. CIRANO AJUDA.
CIRANO – (sério e com voz pausada) Ó bela musa, tua presneça me confunde
CRISTIANO – (exagerado, em voz alta) Óóóóóó beeelllaaaa musa...
CIRANO – Mais devagar, mais romântico. Assim, Cristiano.
CRISTIANO – (mais suave) Ó bela musa...
CIRANO – Isso! Veja se sabe de cor. Diga palavra por palavra.
CRISTIANO – Ó bela musa, tua presença me confunde, meu pensamento vira neblina.
CIRANO – Isso! Ela vai adorar quando ouvir.
CIRANO – (olhando o relógio) Agora eu preciso ir. Está quase na hora dela chegar.
CRISTIANO – (apavorado) Você vai me deixar sozinho com ela?
CIRANO – Eu não posso ficar aqui. Como vocês vão falar de amor na minha frente?
CRISTIANO – Mas sozinho... eu tenho medo de errar.
CIRANO – Você não vai errar. Preste atenção em tudo o que decorou. Até depois..
CIRANO SAI. CRISTIANO ANDA, DESESPERADO.
CRISTIANO – Ó bela musa, tua presença me confunde, meu pensamento vira neblina e...
ROXANA ENTRA, FAZENDO A BRAVA, MAS QUERENDO PERDOAR.
ROXANA – Cristiano.
CRISTIANO – Roxana!
ROXANA – Eu não devia ter vindo. Ah, Cristiano, às vezes não entendo! Às vezes você fala de um jeito tão bonito que eu fico comovida. Em seguida, muda completamente!
CRISTIANO – (abre os braços, fala tão depressa que perde o fôlego) Ó bela musa tua presença me confunde o pensamento vira neblina tal emoção diante da tua presença que só um sentiumento ocupa meu coração Roxana, o amor.
ROXANA – (surpresa) Que foi? Você está ficando azul!
CRISTIANO – (ainda mais acelerado) Roxana tal é meu coração diante de teu sentimento que só uma presença ocupa minha emoção. Teus lábios colhem a romã que me deixam. Não, não é isso, a tua romã colhe meus lábios, ih... acho que não decorei essa parte.
ROXANA – Você está esquisito, não fala coisa com coisa.
CRISTIANO – (toma coragem) É isso mesmo Roxana, estou ficando maluco!
CRISTIANO TIRA DO BOLSO AS FOLHAS DE PAPEL E MOSTRA
CRISTIANO – Eu não sou do jeito que você está pensando. Foi o Cirano que me soprou as poesias, por isso ele estava escondido ontem a noite. Foi ele que escreveu essas frases, pra eu falar de um jeito diferente. Foi ele... olha aqui, tudo escrito com a letra dele! E quer saber de uma coisa? Eu não quero mais ficar fazendo papel de palhaço!
CRISTIANO SAI. AS FOLHAS CAEM NO CHÃO. ROXANA PEGA AS FOLHAS.
ROXANA – (emocionada) Era ele! Era ele, o tempo todo!
ROXANA SAI, ENTRA A MÃE DE CIRANO, COM UMA VASSOURA, COMO SE ARRUMASSE A CASA. A CENA É NA CASA DELE. ROXANA ENTRA
ROXANA – (brava) O Cirano está?
MÃE – Está lá dentro, estudando. Vou chamar. Cirano, Cirano!
CIRANO ENTRA
CIRANO – (alegremente) Oi!
ROXANA – (mostra as folhas) Não tem vergonha?
CIRANO – Eu posso explicar.
ROXANA – Quando eu te conheci, Cirano, fiquei encantada. Nunca tinha conversado com ninguém do jeito que falava com você. Eu sentia... carinho! Mas, quando conheci o Cristiano, você sumiu! Quando o Cristiano recitava poesias, eu pensava – o Cirano também gosta de poesia. Quando ele falava daquele jeito bruto, eu pensava: O Cirano Jamais falaria assim! M,as mesmo quando você estava escondido na pista de skate, eu não pude imaginar que era tão safado.
CIRANO – Eu achei que você gostava do Cristiano!
ROXANA – Eu gostava das palavras bonitas que ele me dizia. Mas as palavras eram suas!
CIRANO – Eu achei que você nunca ia gostar de mim... por causa do meu nariz!
ROXANA – Então deixa eu dizer uma coisa. Você pe bobo. Acha que sou tão cabeça de vento, tão tonta, que só enxergo um nariz? Quer saber Cirano, voc~e tem cabeça de minhoca.
CIRANO – (horrorizado) Cabeça de minhoca não!
ROXANA – (decepcionada) Cabeça de minhoca, sim! Se tivesse o coração do tamanho do nariz, pelo menos seria feliz.
CIRANO – (alegre) Ei, você fez um verso. Rimou nariz com feliz!
ROXANA – (furiosa) Faço um melhor. Cabeça de minhoca, palavras de boboca (sai)
CIRANO – Roxana!
MÃE – (entrando) Que fora que você levou!
CIRANO – Nem diga. É que eu fiz tudo errado.
MÃE – Filho, a vida não pode depender só de um nariz.
CIRANO – O que eu faço, mãe?
MÃE – (com esperança) Cirano, esta menina amava as palavras que você dizia, o sentimento que você demonstrava. E você está aqui, cheio de vida... pode resolver tudo!
CIRANO – E meu nariz?
MÃE – Se ela gostava dos seus versos, vai gostar do seu nariz!
CIRANO – Você acha?
OS DOIS SAEM. ENTRA MÚSICA. A CENA AGORA É NA QUADRA. CRISTIANO BRINCA COM A BOLA. ENTRA MIRTES COM UM PACOTE E UM LIVRO.
CRISTIANO – Tudo bem?
MIRTES – Que aconteceu? Caiu um raio, por acaso? (surpresa) Você me cumprimentando.
CRISTIANO – Pára de gozação! Eu não estou legal.
MIRTES – Nem precisa dizer. Que cara! Levou um fora?
CRISTIANO – É uma história muito complicada. Mas sabe... eu fiquei triste sim. Mas também não estava me sentindo legal... é que eu e o Cirano inventamos uma história...
MIRTES – (constatando) Eu bem que desconfiei que aquele bilhete não foi escrito por você.
CRISTIANO – Aí, quando eu falava com ela... eu não era eu! Entende?
MIRTES – Ah, eu entendo sim! Mexem muito comigo porque sou gordinha. Mas toda minha família é meio arredondada. Gosto de ser do jeito que sou. Mesmo que não me achem bonita.
CRISTIANO – Feia, você também não é.
MIRTES – (anima-se) Você acha?
CRISTIANO – (fazendo charme) Eu gosto do seu sorriso.
MIRTES – (feliz) Eu acho você bonitão.
MIRTES ABRE O PACOTE. HÁ UM BOLO CORTADO EM QUADRADINHOS.
MIRTES – Quer um pedaço de bolo? Eu mesma fiz.
CRISTIANO – (pega, come) Você?
MIRTES – Segui a receita deste livro aqui. Estou levando pro pessoal da classe.
CRISTIANO – Até que esse livro foi bem útil. (fala e vai pegando) Dá mais um pedaço.
MIRTES – Só mais um. Senão não sobra o suficiente.
MIRTES – Sabe, eu adoro livro de receita.
CRISTIANO SORRI. PÕE O BRAÇO NO OMBRO DE MIRTES, E A PUXA PARA SI.
CRISTIANO – Puxa... esse foi o melhor bolo que comi na minha vida.
PÕES O BRAÇO NO OMBRO DE MIRTES. OS DOIS SAEM.
ENTRA O CENÁRIO DA FRENTE DA CASA DE ROXANA. MÚSICA. CIRANO CHEGA, CORRENDO.
CIRANO – Roxana. (infla o peito, toma coragem e recita) Tenho um desejo comigo / que hoje venho te dizer / Queria ser teu amigo / Com amizade pra valer.
ROXANA – (surgindo na porta) Chega Cirano. Não quero mais fazer papel de boba. Você fez piada de mim, com essa história de poesia.
CIRANO – (recita) Quando chegaste à janela / todos que estavam na rua / Disseram / - olha, é aquela / Tal a graça que é tua! // Leve sonho, vais no chão / a andares sem teres ser / És como o meu coração / Que sente sem nada ter.
ROXANA – (derretendo, mas fingindo que está brava) Eu já disse que é pra ir embora!
PAI – (entra surpreso e sorrindo) Mais um poeta no jardim / será sempre assim?
CIRANO – (fala ao pai) A culpa por certo não é dela / Mas de Deus que a fez tão bela!
PAI – (ri e aplaude) Entre mocinho!
CIRANO – (emocionado) Eu acho que ela não quer que eu entre.
PAI – Bem... então é melhor vocês conversarem.
O PAI SAI. CIRANO E ROXANA FICAM A SÓS.
CIRANO – Ah. Roxana, não fica brava assim. Pensa! Ás vezes tem uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tem uma pedra, ou uma rosa escandalosa, ou sonhos que a gente sonha, ou que terminam na fronha. Mas aí a gente pensa...
ROXANA – O que é melhor? Ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro!
ROXANA ESTENDE AMÃO. CIRANO PEGA NELA. PUXA ROXANA DELICADO.
ROXANA – (emocionada) Mas agora eu sei. É de você que eu gosto. Eu gostava de você, através das palavras de Cristiano. No fundo, meu coração deu um pulo de alegria, quando eu soube que era você. Só você!
CIRANO – Roxana!
CIRANO VAI BEIJAR ROXANA, O NARIZ ATRAPALHA, ELE EMPURRA O NARIZ PARA O LADO. FINALMENTE, BEIJAM-SE BEM DE LEVE.
Fim